Hito histórico no mundo do Cavalo Crioulo: Santa Elba e Santa Ana adquirem égua chilena nascida no Brasil
Um fato inédito e simbólico marcou o cenário do Cavalo Crioulo na América do Sul. Em um movimento que une tradição, genética e integração internacional, os criatórios Santa Elba e Santa Ana, do Chile, concretizaram uma compra conjunta histórica: adquiriram, no leilão da Cabanha Veio D’Água, no Brasil, uma égua 100% chilena, a Kapa da Brigadeira, filha do garanhão Santa Elba Señuelo e da matriz Vista Volcán Rodaja.
O feito representa não apenas a consolidação da genética chilena além das fronteiras, mas também um símbolo da reaproximação entre os países do continente em torno da preservação e valorização da raça.
Um reencontro com a própria história
Para Gonzalo Cardemil, do Criadero Santa Elba, a compra da Kapa da Brigadeira é carregada de emoção e significado familiar.
“Quando vi o catálogo e a genética da égua, lembrei do meu pai a cada segundo. O pai dela, o Señuelo, é um grande produtor no Brasil que não chegou a reproduzir no Chile. Ele é filho do Taco e da Presumida. A Presumida, por sua vez, é filha do Refuerzo e de uma grande mãe que deu origem ao primeiro campeão nacional que meu pai acompanhou de perto: o Manicero. Ela tem vários irmãos de destaque, como a Nutria e o próprio Refuerzo, ambos excelentes na vaca.”
Cardemil relembra também o cruzamento que deu origem ao Taco, uma combinação pensada entre Rigor e Talavera, realizada por um grande amigo de seu pai, Don Baltasar Puig.
“Meu pai sempre fez cruzamentos muito pensados, com a visão de manter a funcionalidade e a pureza do cavalo chileno. Essa égua representa um pouco dessa história e, ao mesmo tempo, o esforço atual de fortalecer nossos laços com os vizinhos sul-americanos. Eles cuidaram dessas linhagens com o mesmo zelo que nós — e isso é algo que devemos valorizar.”

Preservar a raça além das fronteiras
Para Roberto Standen Pérez, presidente da Federação de Criadores de Cavalo de Raça Chilena, o momento tem forte valor simbólico e institucional.
“Estamos muito comprometidos com a conservação da raça. Já registramos cavalos na Europa e na Argentina, e agora vemos um caso inverso: uma égua chilena nascida no Brasil voltando ao Chile. Isso mostra que, fora das nossas fronteiras, também há criadores profundamente comprometidos com a preservação da nossa genética. É um marco para todos nós.”

A visão da Cabanha Veio D’Água: 20 anos de convicção genética
Na outra ponta desta história está Gustavo Goularte, da Cabanha Veio D’Água, no Brasil — criatório que há mais de duas décadas se dedica exclusivamente ao cavalo chileno puro de origem.
A paixão começou em 2000, quando Goularte viajou ao Chile e conheceu o criador César Nuñes, do Criadero La Esperanza.

“Fui ao Chile de férias com minha esposa e acabei me apaixonando pela funcionalidade do cavalo chileno. Fizemos duas importações de éguas e trouxemos dois garanhões. Em 2008 decidimos fechar nossa genética apenas com chilenos puros. Queríamos aproveitar mais de cem anos de seleção de linhas maternas funcionais, algumas das quais já haviam se perdido no próprio Chile.”
Com o fechamento posterior das fronteiras, o trabalho da Veio D’Água assumiu uma nova dimensão: tornou-se reserva genética funcional no Brasil.
“Tínhamos clareza de que esse trabalho de preservação seria importante no futuro. Quando o acesso à genética chilena ficou limitado, percebemos que muitas das linhagens antigas ainda existiam no Brasil, especialmente as descendentes de Torhuela. Passamos a garimpar e resgatar esses sangues preciosos.”
Um marco histórico de reconexão
A venda da Kapa da Brigadeira para o Chile foi recebida com emoção por toda a equipe da Veio D’Água.

“Jamais imaginamos que um dos criatórios mais icônicos do Chile, o Santa Elba, acabaria adquirindo uma égua nossa. Isso confirma que a convicção de longo prazo, baseada em estudo e fidelidade às origens, pode ser reconhecida um dia. Esse momento simboliza a reaproximação entre Brasil e Chile em torno do Cavalo Crioulo”, afirma Goularte.
Ele faz questão de mencionar a influência do Dr. Luis Fernando Cirne Lima, pioneiro na introdução do sangue chileno no Brasil, e cujo legado genético foi incorporado à Cabanha.
Manter a pureza e a funcionalidade da linhagem chilena no Brasil, segundo Goularte, não foi simples.
“O Freio de Ouro é uma prova extraordinária, mas a ênfase na morfologia às vezes pode afastar um pouco da funcionalidade pura que caracteriza o cavalo chileno. Fomos muito criticados por manter essa linha, mas nunca abrimos mão das nossas convicções. Nosso objetivo sempre foi deixar um legado genético.”

Atualmente, a Cabanha Veio D’Água conta com cerca de 50 éguas chilenas na cria e segue utilizando reprodutores comprovadamente funcionais, como Sargento do Itapororó, concentrado em Torhuela, além de Las Callanas Mil Razones, Lago Negro do Veio D’Água e Kardec do Veio D’Água. “Temos potros promissores que começarão a aparecer nas pistas este ano, com pelo menos quatro competindo no Freio de Ouro. Seguiremos firmes, sempre com foco na funcionalidade e na preservação das grandes matriarcas.”
Um símbolo de integração sul-americana
A compra da Kapa da Brigadeira representa muito mais que uma transação comercial. É um reencontro entre linhagens, famílias e nações.
De um lado, o legado de um criador chileno que viu na genética a continuidade de uma história familiar. De outro, o trabalho persistente de uma cabanha brasileira que acreditou na força da seleção funcional chilena.

Entre ambos, um mesmo ideal: preservar, valorizar e unir a raça crioula chilena no continente.
Para o presidente da Federação de Criadores de Cavalo de Raça Chilena, Roberto Standen Pérez, esse momento também reforça o papel de integração que a raça pode desempenhar na região.
“O cavalo chileno é um patrimônio genético e cultural que ultrapassa fronteiras. Essa venda demonstra que Brasil e Chile compartilham a mesma visão de futuro: preservar a autenticidade, funcionalidade e identidade da raça. É um passo concreto para fortalecer a cooperação entre federações e criadores sul-americanos, que hoje têm a responsabilidade conjunta de proteger esse legado para as próximas gerações.”
Ficha técnica
- Égua: Kapa da Brigadeira
- Pai: Santa Elba Señuelo
- Mãe: Vista Volcán
- Criatório de origem: Cabanha Veio D’Água (Brasil)
- Novos proprietários: Criaderos Santa Elba e Santa Ana (Chile)
- Evento: Remate Cabanha Veio D’Água – novembro de 2025
- Video
- Algumas fotos neste artigo foram fornecidas pelo Sr. Gustavo Gualarte.


